Trump pode ordenar ataques contra outros países sem autorização do Congresso?
Por Marcus Paiva
Jornalista e Editor-Chefe
⚠️ Após o ataque dos Estados Unidos contra o Irã no sábado à noite, Ro Khanna, do Partido Democrata dos Estados Unidos, respondeu ao ataque dizendo que o Congresso deve se reunir imediatamente para votar um projeto de lei que afirmaria o direito exclusivo do poder legislativo de declarar guerra. “Trump atacou o Irã sem qualquer autorização do Congresso”, disse ele em uma publicação nas redes sociais. Trump pode ordenar um ataque militar sem a permissão do Congresso? “Precisamos retornar imediatamente a Washington, D.C. e votar no Representante Thomas Massie e na minha Resolução sobre Poderes de Guerra para evitar que os Estados Unidos sejam arrastados para outra guerra sem fim no Oriente Médio.” Mas quais são as leis que regem uma declaração de guerra? Trump poderia envolver os Estados Unidos na guerra sem o consentimento do Congresso? A Seção 1 da Constituição, que estabeleceu o poder legislativo e delineou seus deveres, diz que o Congresso tem o poder de “declarar guerra”.
1️⃣ A última vez que os Estados Unidos declararam guerra formalmente foi em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Desde então, os Estados Unidos entraram em guerra na Coreia, no Vietnã, no Golfo, no Afeganistão e no Iraque , além de realizar ataques e intervenções em vários países – Sérvia, Líbia, Somália e Iêmen, para citar alguns. Os poderes de guerra são divididos entre o Congresso e o Presidente, de acordo com a Constituição. Embora o Presidente seja nomeado Comandante-em-Chefe do Exército e da Marinha, somente o Congresso tem autoridade para decidir se os Estados Unidos devem entrar em guerra — seja uma guerra total ou usos mais limitados da força. O Presidente mantém poderes defensivos inerentes para usar força militar sem autorização do Congresso se os Estados Unidos forem atacados, mas a aprovação do Congresso ainda é necessária para uma guerra prolongada.
2️⃣ O problema é que Trump ordenou ataques contra o Irã sem autorização do Congresso e sem motivação legal para legítima defesa. Em vários pareceres, o Gabinete de Consultoria Jurídica (OLC) do Departamento de Justiça reconheceu que a cláusula de "declaração de guerra" pode impor uma restrição potencial aos poderes do presidente, previstos no Artigo II, de comprometer as forças armadas dos Estados Unidos em uma situação que chegue ao nível de uma "guerra". De acordo com o Artigo II da Constituição, o presidente é designado “comandante em chefe” das forças armadas. Os presidentes têm o poder de ordenar que as Forças Armadas respondam a ataques e ameaças iminentes. Além disso, seus poderes de guerra são limitados pelo Congresso. O Artigo II os autoriza a dirigir operações militares após o Congresso autorizar uma guerra. Eles são responsáveis por mobilizar as Forças Armadas sob as diretrizes dos legisladores. Dito isto, presidentes sucessivos usaram a capacidade de comandar os militares em caráter de emergência para realizar ataques que eles enquadram como defensivos ou em resposta a ameaças.
‼️ Na ausência de uma declaração de guerra, o Congresso pode conceder ao presidente poderes para usar as forças armadas para objetivos específicos por meio de uma legislação conhecida como Autorização para Uso de Força Militar (AUMF - Authorization for Use of Military Force) que conferem ao presidente a capacidade de realizar atos militares limitados e definidos. John Adams foi o primeiro presidente a receber uma AUMF do Congresso em 1798, durante a Quase Guerra com a França. A AUMF de 1991 concedeu ao presidente George H. W. Bush a capacidade de agir contra o Iraque para fazer cumprir as resoluções das Nações Unidas. Na sequência dos ataques de 11 de Setembro de 2001, o Congresso aprovou uma AUMF que deu ao então Presidente George W. Bush amplos poderes para conduzir a “guerra contra o terror” global. E um ano depois, foi aprovada outra AUMF, permitindo o uso do exército contra o governo de Saddam Hussein no Iraque, o que se tornou a base da invasão de 2003. Essa AUMF de 2002 declarou: “O presidente está autorizado a usar as Forças Armadas dos Estados Unidos conforme determinar necessário e apropriado para defender a segurança nacional dos Estados Unidos contra a ameaça contínua representada pelo Iraque.”
❗️Em 2011, o presidente Barack Obama ordenou uma intervenção militar na Líbia sem solicitar a aprovação do Congresso. As forças permaneceram engajadas no local por cerca de oito meses, enquanto o governo Obama argumentava que sua presença militar não se enquadrava na Resolução sobre Poderes de Guerra. Em 2013, o presidente Obama tomou a medida incomum de solicitar ao Congresso a aprovação da intervenção na guerra civil síria, após inicialmente indicar que tinha poderes constitucionais para ordenar ataques militares limitados sem a aprovação do governo. O Congresso então adiou a ação na Síria. Na época, o governo Obama argumentou que não precisava de autorização do Congresso, de acordo com a AUMF de 2002. Obama abriu um precedente, ao utilizar a AUMF de 2002 para bombardear o grupo terr0rista ISIS na Síria em 2013.
➡️ Em 2017, o presidente Trump ordenou ataques com mísseis contra a Síria após um ataque com armas químicas, e apoiadores, incluindo Mitch McConnell, consideraram que isso era permitido pela AUMF de 2002. O governo Trump argumentou que os ataques eram permitidos pelos poderes do presidente, previstos no Artigo II, para proteger a "segurança nacional e os interesses da política externa dos Estados Unidos". Também em 2020, Trump citou a AUMF de 2002 como apoio à sua decisão de ordenar um ataque fatal com drones contra o general iraniano Qassem Soleimani, líder da Força Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC). Nos últimos anos, o presidente Joseph Biden também citou a AUMF de 2002 ao tomar ações militares contra grupos militantes apoiados pelo Irã no Iraque, Síria, Iêmen e no Mar Vermelho. A administração Biden apresentou relatórios ao Congresso em 48 horas sobre suas ações, conforme exigido pela Resolução sobre Poderes de Guerra, com a ressalva de que o presidente estava agindo para "proteger os cidadãos dos Estados Unidos, tanto em casa quanto no exterior, e em prol da segurança nacional e dos interesses da política externa dos Estados Unidos, de acordo com minha autoridade constitucional como Comandante-em-Chefe e Chefe do Executivo, e para conduzir as relações exteriores dos Estados Unidos". Durante o primeiro mandato de Trump, houve preocupações de que ele pudesse usar a AUMF de 2001 para atacar o Irã sob a alegação infundada de que Teerã apoia a Al-Qaeda.
3️⃣ O OLC declarou que a definição de um engajamento planejado específico como "guerra" para fins constitucionais "exige uma avaliação específica dos fatos sobre a 'natureza, escopo e duração previstos' das operações militares planejadas". Acrescentou que esse "padrão geralmente será satisfeito apenas por engajamentos militares prolongados e substanciais, tipicamente envolvendo a exposição de militares dos Estados Unidos a riscos significativos por um período substancial". Aplicando esses princípios a um ataque ao Irã, se o uso da força militar fosse substancial e prolongado ou representasse um risco substancial às forças dos Estados Unidos ou aos civis estadunideses — como em ataques do Irã ou de seus representantes contra interesses dos Estados Unidos — há um bom argumento de que seria necessária a aprovação do Congresso, consistente com a autoridade do Congresso no Artigo I, para "declarar guerra".
4️⃣ No que diz respeito à necessidade ou não de autorização do Congresso por lei, tanto presidentes republicanos quanto democratas geralmente preferem, por razões políticas e legais, buscar autorização do Congresso — ou afirmar que estão agindo sob autorizações anteriores — para qualquer uso substancial ou prolongado de força militar. O presidente George H. W. Bush buscou e recebeu autorização do Congresso para a Guerra do Golfo em 1991 , e o presidente George W. Bush buscou e recebeu autorizações em 2001 e 2002 para usar a força contra os perpetradores dos ataques de 11 de setembro e contra o presidente iraquiano Saddam Hussein. Apesar dos artigos descritos na Constituição, os presidentes encontraram maneiras de contornar o Congresso em questões de guerra.
5️⃣ Assim, em 1973, após décadas de intervenção estadunidense no Vietnã e em outras partes da Ásia, os legisladores aprovaram a Resolução sobre Poderes de Guerra para reafirmar sua autoridade sobre ações militares. A lei restringe os poderes de guerra do presidente – ou essa era sua intenção. Ela foi aprovada após o bombardeio secreto do então presidente Richard Nixon no Camboja, que matou dezenas de milhares de civis e levou a protestos generalizados nos Estados Unidos. A lei federal foi criada para limitar o poder do presidente dos Estados Unidos de envolver os Estados Unidos em conflitos armados. Promulgada apesar do veto de Nixon, a resolução exige que "na ausência de uma declaração de guerra" o presidente notifique o Congresso dentro de 48 horas da ação militar e limite as mobilizações a 60 ou 90 dias, a menos que autorizações para estendê-las sejam aprovadas. A Resolução sobre Poderes de Guerra busca limitar a capacidade do presidente de mobilizar os militares a três tipos de situações: uma declaração de guerra, autorização legal específica, ou uma emergência nacional criada por um ataque aos Estados Unidos, seus territórios ou possessões, ou suas forças armadas.
6️⃣ Antes que tropas dos Estados Unidos sejam enviadas para o exterior, o Congresso deve ser consultado “em todas as instâncias possíveis”, diz o documento. Na segunda-feira, o senador democrata Tim Kaine apresentou um projeto de lei exigindo que Trump buscasse autorização do Congresso antes de ordenar ataques militares contra o Irã. Em seguida, um projeto de lei semelhante foi apresentado na Câmara dos Representantes na terça-feira pelos deputados Thomas Massie, do Kentucky, um republicano, e Ro Khanna, da Califórnia, democrata. A Lei Não à Guerra contra o Irã, apresentada pelo senador democrata Bernie Sanders, de Vermont, busca “proibir o uso de fundos para força militar contra o Irã e para outros fins”. Mas mesmo que algumas pesquisas mostrem que os apoiadores de Trump são contra a guerra com o Irã, a aprovação de tais projetos de lei na legislatura controlada pelos republicanos continua improvável.
7️⃣ Apesar da separação constitucional dos poderes de guerra, os poderes executivo e legislativo têm disputado essas funções ao longo da história dos Estados Unidos. O mais proeminente desses incidentes – e a última vez que um caso semelhante chegou à Suprema Corte, aliás – ocorreu em 1861, no início da Guerra Civil, quando o presidente Abraham Lincoln bloqueou portos do sul meses antes de o Congresso declarar legalmente guerra à Confederação. A mais alta corte acabou decidindo que os atos do presidente eram constitucionais porque o executivo "pode repelir ataques repentinos". Ao longo da história, declarações formais de guerra por parte do Congresso permaneceram escassas. Houve apenas 11. A AUMF de 2001 e a AUMF do Iraque de 2002 foram usadas para justificar ataques a “grupos terr0ristas” em pelo menos 19 países, de acordo com o Comitê de Amigos para Legislação Nacional. Durante o primeiro mandato de Trump, o Congresso tentou limitar a autoridade presidencial de guerra pela primeira vez desde a Guerra do Vietnã.
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