Presidente da Costa do Marfim permanece no poder em meio a falsas notícias de Golpe de Estado
Por Marcus Paiva
Jornalista e Editor-Chefe
🚩 Histórias falsas de um Golpe de Estado na Costa do Marfim, país da África Ocidental, surgiram esta semana em meio às crescentes tensões sobre as próximas eleições gerais de outubro. Várias contas em sites de mídia social, incluindo Facebook e X, postaram vídeos de grandes multidões em ruas com prédios em chamas, que eles alegaram serem da capital do país, Abidjan. No entanto, nenhuma violência foi relatada pelas forças de segurança ou por quaisquer outras autoridades governamentais na cidade esta semana. Moradores de Abidjan também negaram as alegações nas redes sociais. Na quinta-feira, a Agência Nacional de Segurança de Sistemas de Informação da Costa do Marfim (ANSSI) negou os rumores.
1️⃣ Em um comunicado publicado em sites de mídia locais, a agência afirmou: “Publicações que atualmente circulam na rede X afirmam que um golpe de Estado ocorreu na Costa do Marfim... Essa alegação é completamente infundada. É o resultado de uma campanha de desinformação deliberada e coordenada.” Os rumores surgem poucas semanas depois de o popular político da oposição Tidjane Thiam ter sido impedido de concorrer a um cargo público após sua elegibilidade ter sido contestada judicialmente por uma questão técnica relacionada à sua cidadania. Thiam está recorrendo da decisão e alega que a perseguição política. A Costa do Marfim, potência africana do cacau, tem uma longa história de violência eleitoral, com um episódio há uma década que se transformou em conflito armado que resultou em milhares de mortes.
2️⃣ O presidente Alassane Ouattara chegou ao poder em 2010 depois de uma guerra civil contra seu antecessor e opositor Laurent Gbagbo, que durou até 2011 (a segunda guerra civil do país). A guerra teve início quando Ouattara acusou Gbagbo de perseguição política contra seus partidários. Além disso, Gbagbo se recusou a entregar o poder ao presidente eleito Ouattara. Agora, o receio de que o presidente Alassane Ouattara possa concorrer a um quarto mandato, aumentou as tensões. Embora o país tenha um limite de dois mandatos para presidentes, uma emenda constitucional de 2016 reiniciou seus mandatos, argumentam os apoiadores do presidente, permitindo-lhe concorrer a um terceiro mandato de cinco anos em 2020. Essa reforma constitucional é típica do que foi definido por Kim Lane Scheppele como legalismo autocrático, que visa reforçar ou concentrar poderes nas mãos do líder utilizando mecanismos constitucionais. Essa mesma fórmula foi utilizada recentemente por Putin na Rússia, por Ortega na Nicarágua e por Faure Gnassingbe no Togo, para entender de maneira constitucional seus mandatos.
3️⃣ Esse mesmo mecanismo constitucional também pode levá-lo às cédulas de votação em outubro. Videos mostrando centenas de pessoas protestando nas ruas e incendiando lojas e shoppings começaram a aparecer nas redes sociais na quarta-feira desta semana. O francês é a língua oficial na Costa do Marfim, mas a maioria das postagens e blogs com imagens supostamente de Abidjan, alegando que um golpe de Estado estava em andamento, foram escritos em inglês. Algumas publicações também alegaram que o chefe do Estado-Maior do Exército do país, Lassina Doumbia, havia sido assassinado e que o presidente Ouattara estava desaparecido. Essas alegações eram falsas e foram negadas pelo gabinete do presidente. Veículos de comunicação locais, incluindo a mídia estatal marfinense e veículos de notícias privados, não noticiaram a suposta violência.
4️⃣ Não está claro como surgiram os rumores de que o presidente Ouattara estava desaparecido. Na quinta-feira, ele presidiu uma reunião de gabinete de rotina na capital. Também participou de uma cerimônia em homenagem ao ex-presidente Felix Houphouet-Boigny, ao lado do presidente togolês Faure Gnassingbe. As próximas eleições gerais em 25 de outubro estão na raiz das atuais tensões políticas no país. As eleições no passado foram violentas: durante as eleições gerais de outubro de 2010, o ex-presidente Laurent Gbagbo se recusou a entregar o poder a Ouattara, que foi proclamado vencedor pela comissão eleitoral. Negociações políticas tensas fracassaram, e a situação acabou se transformando em uma guerra civil armada, com as forças de Ouattara, apoiadas por tropas francesas, sitiando o exército nacional de Gbagbo. A França é a antiga potência colonial na Costa do Marfim, e Ouattara tem laços estreitos com Paris.
5️⃣ Cerca de 3.000 pessoas foram mortas na violência. A captura de Gbagbo em 11 de abril de 2011 marcou o fim do conflito. Ele foi posteriormente julgado e absolvido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra em 2019. Esse histórico doloroso gerou temores de que as eleições deste ano também possam se tornar violentas, já que vários candidatos da oposição, incluindo Gbagbo, foram impedidos de concorrer, principalmente devido a condenações anteriores. Em 2018, o ex-presidente foi condenado à revelia a 20 anos de prisão pelo saque do Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) durante a crise pós-eleitoral do país. Em dezembro passado, o partido governista, Reunião dos Houphouetistas pela Democracia e Paz (RHDP), indicou Ouattara para um quarto mandato presidencial. Até o momento, Ouattara se recusou a dizer se pretende concorrer, gerando preocupações entre os marfinenses, muitos dos quais consideram que o presidente está abusando da sua permanência. Só que a indicação do partido é uma preparação para sua candidatura.
6️⃣ Há uma simpatia generalizada pelos jovens líderes militares que tomaram o poder nos vizinhos Mali e Burkina Faso e que mantiveram uma postura hostil em relação à França, ao contrário de Ouattara. O presidente foi elogiado por supervisionar a rápida estabilidade econômica na última década e meia, o que tornou o país o centro econômico regional. Ouattara também é reconhecido por trazer algum nível de paz política ao país. Em 2023, ele acolheu de volta Gbagbo, que residia em Bruxelas desde sua absolvição no TPI em 2021. Desde então, as campanhas eleitorais não foram tão inflamadas quanto nos anos 2000, quando Gbagbo se baseou em sentimentos étnicos para incitar a oposição a Ouattara, cujo pai era originário de Burkina Faso. No entanto, os críticos de Ouattara o acusam de lutar para se manter no poder de forma inconstitucional. Alguns também o acusam de coagir instituições estatais a pressionar seus oponentes políticos, inclusive no caso mais recente envolvendo Thiam.
7️⃣ Sua proximidade com a França, que é cada vez mais vista como arrogante e neocolonialista, especialmente pelos jovens da África Ocidental francófona, não rendeu ao presidente nenhum favor da significativa população do país com menos de 35 anos. Thiam, de 62 anos, é um político e empresário de destaque nos círculos políticos marfinenses. Ele é sobrinho do reverenciado Houphouet-Boigny e foi o primeiro marfinense a ser aprovado no vestibular para a prestigiosa Escola Politécnica de Engenharia da França. Ele retornou da França para servir como ministro do Planejamento e Desenvolvimento de 1998 a 1999, quando um golpe de Estado derrubou o governo civil e o exército assumiu o controle do país. Thiam recusou um cargo ministerial oferecido pelo governo militar e deixou o país. Ele assumiu cargos de destaque, primeiro como presidente-executivo do grupo segurador britânico Prudential e, em seguida, como chefe do banco de investimento global Credit Suisse. Um escândalo de espionagem corporativa no banco levou à sua renúncia em 2020, após um colega acusá-lo de espionagem. Thiam foi inocentado de qualquer envolvimento.
8️⃣ Após retornar à Costa do Marfim em 2022, Thiam voltou à política e se juntou novamente ao Partido Democrático (PDCI), o antigo partido governista que ocupou o poder desde a independência em 1960 até o golpe de estado de 1999, e que agora é o principal partido de oposição. Em dezembro de 2023, os delegados do partido votaram esmagadoramente em Thiam para ser o próximo líder após a morte do ex-líder e ex-presidente Henri Konan Bedie. Na época, autoridades do PDCI disseram que Thiam representava uma lufada de ar fresco para a política do país, e muitos jovens pareciam dispostos a apoiá-lo como o próximo presidente. Mas suas ambições foram interrompidas em 22 de abril, quando um juiz ordenou que seu nome fosse retirado da lista de candidatos porque Thiam havia adquirido nacionalidade francesa em 1987 e perdido automaticamente a cidadania marfinense, de acordo com as leis do país.
9️⃣ Embora o político tenha renunciado à nacionalidade francesa em fevereiro deste ano, o tribunal decidiu que ele não o fez antes de se registrar no cadastro eleitoral em 2022 e, portanto, não era elegível para ser líder do partido, candidato presidencial ou mesmo eleitor. Thiam e seus advogados argumentaram que a lei é inconsistente. Thiam destacou em entrevista a repórteres que os jogadores de futebol marfinenses que integram a seleção nacional do país são, em sua maioria, também cidadãos franceses, mas não enfrentam restrições para manter a nacionalidade marfinense. "A questão é que eu nasci marfinense", disse Thiam à BBC em entrevista, acusando o governo de tentar bloquear o que ele disse ser o provável sucesso de seu partido nas eleições deste ano. Não está claro se Thiam pode legalmente retornar à lista de candidatos, mas ele está tentando.
🔟 Em maio, ele renunciou à presidência do PDCI e foi reeleito quase imediatamente com 99% dos votos. Ele ainda não revelou se tentará se recadastrar como candidato, mas prometeu continuar na luta. Thiam prometeu atrair investimentos industriais para o país, como fez quando era ministro, e retirar o país da economia baseada na moeda CFA, controlada pela França, que abrange países da África Ocidental e Central, anteriormente colonizados pela França, e que têm suas moedas atreladas ao euro. Enquanto isso, outros candidatos fortes incluem Pascal Affi N'Guessan, 67, ex-primeiro-ministro e aliado próximo de Gbagbo, que representará a Frente Popular Marfinense (FPI) de Gbagbo. Simone Gbagbo, ex-primeira-dama agora divorciada de Gbagbo, também concorrerá como candidata pelo Movimento das Gerações Capazes. Ela foi condenada a 20 anos de prisão em 2015 sob a acusação de comprometer a segurança do Estado, mas se beneficiou de uma lei de anistia para promover a reconciliação nacional no final de 2018.
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