Ao aceitar um avião de luxo do Emir do Qatar, Trump estaria violando a constituição?
Jornalista e Editor-Chefe
🚩 O Departamento de Defesa dos Estados Unidos aceitou formalmente um Boeing 747-8 dado de presente ao presidente Donald Trump pelo Emir do Qatar Xeque Tamim bin Hamad Al-Thani. A Força Aérea foi instruída a encontrar uma maneira de modernizá-lo rapidamente para que possa ser usado como o novo Air Force One para o presidente Donald Trump. Em um comunicado divulgado hoje, anunciando a aceitação da aeronave, o porta-voz do Pentágono, Sean Parnell, declarou: "O Departamento de Defesa trabalhará para garantir que medidas de segurança adequadas e requisitos de missão funcional sejam considerados para uma aeronave usada para transportar o presidente dos Estados Unidos." Só que ao aceitar um presente pessoal, de um governo estrangeiro, Trump gera atrito com a constituição, em especial, com a cláusula de Emolumentos.
1️⃣ Trump disse nas redes sociais que o avião é um presente para o Departamento de Defesa, e o governo aparentemente estava planejando modernizar o jato para ser usado como o avião presidencial durante seu segundo mandato. “Então, o fato de o Departamento de Defesa estar recebendo de PRESENTE, GRATUITAMENTE, uma aeronave 747 para substituir temporariamente o Air Force One, de 40 anos, em uma transação pública e transparente, incomoda tanto os democratas corruptos que eles insistem que paguemos MUITO CARO pelo avião”, postou Trump em suas redes sociais na noite de domingo. “Qualquer um pode fazer isso!” Só que o avião será transferido para a Fundação da Biblioteca Presidencial Trump até 1º de janeiro de 2029, e quaisquer custos relacionados à sua transferência serão pagos pela Força Aérea dos Estados Unidos. Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, disse que “qualquer presente dado por um governo estrangeiro é sempre aceito em total conformidade com todas as leis aplicáveis”.
2️⃣ E se Trump quisesse ficar com o jato depois de deixar o cargo? É inédito. Se este for um presente de governo para governo, e Trump não o usar quando não for mais presidente, ele estará em terreno um pouco mais sólido. Então o presente é para o país, não para o próprio Trump. Mas um avião está muito longe das flores de cerejeira do Japão ou de uma estátua da França. Caso a fundação receba o avião, isso poderá ser interpretado como um presente pessoal, o que contraria a disposição constitucional. Além disso, há implicações óbvias para a segurança nacional caso Trump aceite o jato e o utilize para viagens oficiais. A biblioteca presidencial de Reagan, na verdade, possui um antigo Air Force One que foi desativado, mas se Trump usou o avião depois de deixar o cargo, isso está muito longe de colocar um avião em exposição em uma biblioteca presidencial.
3️⃣ O que é a Cláusula de Emolumentos? A cláusula diz: “Nenhuma pessoa que ocupe qualquer cargo lucrativo ou de confiança sob eles [os Estados Unidos], deverá, sem o consentimento do Congresso, aceitar qualquer presente, emolumento, cargo ou título, de qualquer tipo, de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro.” Essa cláusula foi inserida na Constituição como uma forma de impedir que líderes em exercício aceitassem presentes ou pagamentos estrangeiros, a fim de garantir completa neutralidade de influências externas e evitar até mesmo a aparência de corrupção. A cláusula se aplica a "todos os funcionários que ocupam cargos nomeados nos poderes Judiciário e Executivo do governo nacional", de acordo com o National Constitution Center. A Cláusula foi originalmente concebida para combater a prática comum do século XVII de oferecer presentes caros a emissários ou diplomatas estrangeiros que partiam no final de seu mandato no país anfitrião.
4️⃣ Em 1787, Charles Pinckney, um dos signatários da Constituição, “insistiu na necessidade de preservar os Ministros das Relações Exteriores e outros oficiais dos Estados Unidos independentes de influência externa” e decidiu adicionar a cláusula. É um lembrete da postura firme dos autores da lei contra a corrupção política, propinas e influência externa indevida sobre os líderes do país. A Suprema Corte recentemente perdeu a oportunidade de esclarecer a natureza e a extensão da Cláusula de Emolumentos Estrangeiros em um caso envolvendo os hotéis de Trump no exterior, que começou durante seu primeiro mandato. Um órgão de fiscalização sediado em Washington, DC, processou Trump em 2017, alegando que ele não havia se desfeito de suas empresas em outras partes do mundo e, portanto, estava se beneficiando financeiramente de hóspedes e eventos em seus hotéis, aluguéis de seus edifícios e negócios imobiliários lucrativos. O tribunal finalmente declarou a questão irrelevante quando Trump deixou o cargo em 2021, deixando a disposição constitucional sem maiores detalhes.
5️⃣ Uma das razões pelas quais isso não foi aplicado é que nenhum presidente anterior jamais sonhou em fazer algo assim. A questão das potenciais violações das Cláusulas de Emolumentos tem sido uma questão de legitimidade, como foi o caso em CREW v. Trump. Para entrar com uma ação judicial sob a Cláusula de Emolumentos, o autor precisaria argumentar que foi diretamente prejudicado pela transação em questão. No caso CREW v. Trump, o tribunal inferior decidiu que a organização Citizens for Responsibility and Ethics em Washington não tinha legitimidade — que o caso apresentava uma questão política e não estava maduro para julgamento. O Tribunal de Apelações dos Estados Unidos para o Segundo Circuito anulou essa decisão, observando que o que constitui um emolumento não cabe ao Congresso, mas sim aos tribunais federais. Trump pareceu encontrar uma maneira de argumentar que isso é consistente com a letra da lei — mesmo que viole o espírito da lei.
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