A Política externa indiana de Narendra Modi: Bharat Vishwa Mitra

Por Marcus Paiva
Jornalista e Editor-Chefe

⚠️ O Ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, lançou em janeiro de 2024, um importante livro sobre a política externa indiana atual. “Why Bharat Matters” (Por que Bharat é importante) que descreve sua visão da política externa indiana no contexto internacional. O autor busca conectar o tema com Ramayana, um dos dois grandes épicos hindus, para ilustrar a importância de aliados e regras em um mundo cada vez mais imprevisível. Lembrando que a política externa da Índia contemporânea, sob o governo do Primeiro-Ministro Narendra Modi (especialmente em seu segundo mandato a partir de 2019 e no atual), é caracterizada por um pragmatismo assertivo e uma busca por maior influência global, guiada pelo conceito de "Vishwa Mitra" (Amigo do Mundo) e pela autonomia estratégica.  

1️⃣ O Ramayana narra a história de Rama, um nobre rei e avatar do deus Vishnu, que é forçado a um exílio, onde enfrenta múltiplos desafios, incluindo o sequestro de sua esposa, Sita, pelo demônio-rei Ravana. Auxiliado por Hanuman, um deus-macaco, Rama derrota Ravana em uma batalha épica, resgata Sita e é coroado. Seu reinado, “Ram Rajya”, foi um período de paz suprema e prosperidade. Essa história mítica é sagrada para os hindus e a pedra fundamental de grande parte da cultura indiana e a história definitiva do triunfo do "bem sobre o mal". O título talvez seja o aspecto mais chamativo do livro. Afinal, até recentemente, indianos não usavam “Bharat” quando se referiam ao seu país no exterior. O último livro do autor se chama “The India Way” (O Caminho da Índia). “Bharat” significa “India” em hindi e sânscrito, e já consta na Constituição indiana, mas o primeiro-ministro Narendra Modi cada vez mais usa o termo e os membros de seu partido, o BJP (nacionalista hindu), criticam a denominação “Índia”, pois a associam ao colonialismo britânico. 

2️⃣ Mesmo assim, é importante lembrar que a expressão “Índia” é muito mais antiga do que o colonialismo europeu — de fato, ela existe há aproximadamente 2000 anos. Em abril de 2024 o primeiro-ministro Narendra Modi foi eleito novamente, e o uso da expressão “Bharat” se tornará cada vez mais frequente. Na história militar indiana, o período entre 2014 e 2024 constitui uma década de importantes transformações. Durante estes anos, a Índia sofreu uma mudança fundamental na sua abordagem ao fabrico de defesa, marcando um afastamento da hesitação e dependência da era pré-2014. O impulso do governo Modi para reformas iniciadas por Aatmanirbharta no setor de defesa. Isto ganhou ainda mais impulso após um confronto com a China em 2020 e as crescentes inseguranças globais, primeiro devido à guerra Rússia-Ucrânia e depois devido ao conflito entre Israel e o Hamas. 

3️⃣ Na sequência destas mudanças, o fabrico de defesa substituiu armamento obsoleto por tecnologias de nicho e promoveu a colaboração entre fornecedores e consumidores. O apoio à criação e abastecimento local também foi anexado ao despacho de contratação pública. Outro sinal verde foi o surgimento de novas empresas, algo impensável no passado devido a restrições financeiras. Existem agora milhares de startups nos setores da defesa e espacial, e algumas delas mostram potencial para eventualmente se tornarem gigantes empresariais da próxima geração. Evidente que a curta guerra com o Paquistão demonstrou que há pontos importantes a serem trabalhados. Os caças chineses usados pelo Paquistão foram superiores e derrubaram 3 caças indianos de fabricação francesa. A guerra se tornou um conflito congelado e um cessar-fogo foi alcançado em dias. Nesse conflito, o quarto entre Índia e Paquistão desde 1947, jogou luz nos pilares da política externa indiana.

4️⃣ Um desses pilares é o Multi-Alinhamento Pragmático. A Relação estratégica cada vez mais profunda, centrada na segurança do Indo-Pacífico (alianças como o QUAD - Estados Unidos, Japão, Austrália, Índia), comércio, tecnologia (iniciativas críticas e emergentes) e defesa (grandes compras e co-produção). O Laço histórico mantido com a Rússia, especialmente em defesa e energia (compra significativa de petróleo com desconto pós-guerra da Ucrânia), mas com cautela crescente devido à aliança Rússia-China e ao conflito na Ucrânia. Lembrando que há uma Relação complexa e tensa com a China. Competição estratégica e confrontos fronteiriços (como em Galwan, 2020) permanecem, levando a um fortalecimento defensivo e aproximação com parceiros como Estados Unidos. A Índia participa de fóruns como BRICS e SCO, mas mantém firmeza nas fronteiras e busca reduzir dependência econômica ("Atmanirbhar Bharat" - Índia Autossuficiente).

5️⃣ O Foco permanece no Indo-Pacífico. Essa é a visão central da política externa. A Índia posiciona-se como uma potência de segurança net provider na região. Com ativa participação em mecanismos como o QUAD (foco em segurança marítima, infraestrutura resiliente, saúde e tecnologia), reforço de laços bilaterais com países do Sudeste Asiático e Oceania ("Act East Policy" intensificada). Além disso, desenvolve a Prioridade ao "Vizinhança Primeiro (Neighbourhood First). Um esforços para consolidar liderança regional no Sul da Ásia: Apoio financeiro e humanitário a países como Maldivas, Sri Lanka, Nepal e Bangladesh. Gestão complexa da relação com o Paquistão, dominada por questões de terrorismo e Caxemira, com diálogo praticamente paralisado devido a guerra recente. Em termos mais amplos há um posicionamento como voz dos países em desenvolvimento ("Voice of Global South"). E o uso proativo da imagem pessoal do primeiro-ministro Modi ("Modi Diplomacy") e soft power cultural. Além da promoção de iniciativas de conectividade regional alternativas, como a Parceria Internacional para Infraestrutura e Investimentos (PGII) com parceiros do QUAD, contrastando com a Iniciativa Belt and Road da China.

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